Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) foi uma proeminente escritora, cronista, dramaturga e abolicionista brasileira, reconhecida por suas contribuições significativas à literatura nacional e por seu engajamento em causas sociais. Publicou mais de 20 livros e manteve uma colaboração constante por mais de 30 anos, no jornal O Paiz, um dos mais importantes da época. Foi amplamente reverenciada em vida, mas deixada de lado com o passar dos anos.
A autora destacava-se não só entre os maiores escritores brasileiros como Machado de Assis, Olavo Bilac, Coelho Neto mas também era comparada com os grandes vultos, pessoas notáveis do país, como Ruy Barbosa (político), Carlos Gomes (maestro), irmãos Rodolpho e Henrique Bernardelli (artistas plásticos).
O anuário Paiz Ilustrado de 1896 listou as 12 principais personalidades brasileiras mais importantes da época, sendo Julia Lopes de Almeida a única do sexo feminino, escolhida como “representante da inteligência da mulher brasileira”.
Foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1897; contudo, o estatuto da instituição, inspirado na Academia francesa, permitia apenas o ingresso de homens, o que levou à exclusão de seu nome da lista de membros fundadores.
Biografia
Julia Valentina da Silveira Lopes nasceu em 24 de setembro de 1862, num casarão da Rua do Lavradio, no. 53, cidade do Rio de Janeiro, filha da pianista e professora Antonia Adelina Pereira da Silveira Lopes (1830-1895) e do médico e pedagogo Valentim José da Silveira Lopes (1830-1915).
Chegando ao Brasil em 1860, Valentim fundou o Colégio Humanidades, transferindo-o, três anos depois, para Friburgo, onde a família morou até 1867. Após completar cursos de especialização no exterior, Valentim deixa a carreira de educador para se dedicar à Medicina, inicialmente na Beneficência Portuguesa do Rio e, a partir de 1869, em Campinas, SP. Em 1890, é agraciado como título de Visconde de São Valentim. O casal teve sete filhos: Adelina Amelia, Maria José, Valentim, Adelaide Elisa, Augusto, Julia e Alice.
Aos 19 anos, em 1881, quando moravam em Campinas, Julia se descobre escritora e, incentivada pelo pai, publica sua primeira crônica, “Gemma Cuniberti”, no jornal Gazeta de Campinas, do qual se torna uma colaboradora regular.
Por intermédio da irmã Adelina, que morava no Rio, conheceu o poeta e jornalista Filinto de Almeida, diretor e fundador, com o escritor Valentim Magalhães, do semanário literário A Semana.
Em 1886, seus pais decidem passar uma temporada em Portugal e levam com eles as filhas solteiras, Alice e Julia, esta já noiva de Filinto. No Rio, o poeta publica, com sucesso, seu primeiro livro de poesias, Lyrica, com o primeiro soneto dedicado à saudade por Julia, sob o título “Partida”. Logo depois, é indicado para ir a Lisboa acompanhar a impressão dos Anais da Câmara de Deputados de São Paulo. Julia e Filinto se casam em 28 de novembro de 1887, na Igreja de São Domingos, em Lisboa.
Depois de uma viagem de núpcias por vários países da Europa, voltam para o Rio, onde nasce, em 1888, o primeiro filho dos seis filhos do casal, Afonso (poeta, jornalista e diplomata) e Filinto se naturaliza brasileiro. Com a Proclamação da República, 1889, Filinto assume a direção do jornal A Província de S. Paulo, a convite de Julio Mesquita, que foi eleito deputado federal. Sua primeira medida é trocar o nome do jornal para O Estado de S. Paulo. É em São Paulo que nascem e morrem, nos primeiros meses de vida, seus filhos Adriano (1890) e Valentina (1892). As perdas foram o estopim para o casal decidir voltar para o Rio, depois de cinco anos em São Paulo. Vão viver na casa do Visconde de São Valentim, onde, em 1894, nasce Albano (desenhista e pintor). De lá se mudam para o bairro de Santa Teresa. É lá que nascem Margarida (escultora e declamadora) e Lúcia (pianista).
Em 1904, já uma escritora consagrada, o casal constrói a casa na Rua Joaquim Murtinho, que ficou famosa pelos saraus que promovia no seu Salão Verde, com a elite intelectual da época, entre eles: Olavo Bilac, João Foca, João Luso, Carmem Dolores, Julia Cortines, Maria Clara Cunha Santos. João do Rio definiu a casa como um “Lar de Artistas”.
Entre 1925 e 1931, Julia e Filinto moraram para Paris acompanhando a filha Margarida, que recebera uma bolsa para estudar escultura. Seu último livro, Pássaro Tonto, foi escrito nesta temporada europeia.
Julia faleceu de malária em 30 de maio de 1934, no Rio de Janeiro, oito dias após retornar da África, para onde viajara em busca da filha Lucia, que estava doente.
A elaboração desta mini biografia contou, entre outras fontes, com as valiosas informações e arquivos cedidos pelo engenheiro Cláudio Lopes de Almeida, neto de Julia.
A obra de Julia é bastante diversificada e acompanha as transformações pelas quais passava o mundo e o Brasil: da iluminação a candelabros de vela, aos bicos de gás Auler e finalmente às lâmpadas Edison; o fim da escravidão no Brasil; a derrocada do imperador D. Pedro II; a ascensão da Primeira República e a Revolução Constitucionalista de 1932.
Desde os seus 19 anos, quando começou a escrever no jornal Gazeta de Campinas, Julia não parou mais. Com a sua pena afiada, defendia, na imprensa, a educação feminina, para que a mulher tivesse uma profissão e pudesse se sustentar. Lutou e conseguiu, enquanto esteve viva, que o Morro de Santo Antônio não fosse derrubado. Teve participação na criação do Mercado das Flores e se envolveu em inúmeros projetos sociais.
Os textos de Julia foram publicados em jornais e revistas pelo Brasil durante toda sua vida, mas, em alguns, como Gazeta de Campinas e O Paiz, manteve colunas semanais por anos a fio. Citamos alguns periódicos onde encontramos crônicas e contos de Julia Lopes de Almeida:
Rio de Janeiro ― O Paiz, Gazeta de Notícias, A Semana, Gazeta de Notícias, Jornal do Commercio, Kosmos, Tribuna Liberal, A Noite, A Familia, A Estação, O Cruzeiro, O Fluminense, Novidades, Vassourense, A República (Campos dos Goytacazes), Gazeta de Petrópolis, Leitura para Todos etc.
São Paulo ― Gazeta de Campinas, Correio de Campinas, A Mensageira, Correio Paulistano, Almanaque Literário de São Paulo, Diário de Campinas, Revista dos Novos, O Estado de S. Paulo, Chácara e Quintaes, A Fita, A Vida Moderna etc.
Outros Estados ― A Provincia do Espirito Santo, Diário de Pernambuco, O Pharol (MG), A Lucta (SC), Diário de Notícias (PA), O Cachoeirano (ES), Revista do Norte (PE), O Pacotinha (MA), Gazeta Paranaense, Arauto de Minas, Sete de Março (PR), Goyas, O Republicano (SE), Gazeta de Natal (RN), Diário do Maranhão, O Amigo do Povo (MG), A Pátria Paraense, A Palavra (AL), O Despertador (SC), A República (PR), A Galeria Ilustrada (PR), Almanach Popular Brasileiro (RS), Jornal de Recife (PE), Gazeta de Leopoldina (MG), Correio de Minas (MG), Jornal de Caxias (MA), Diário da Tarde (PR), Evolucionista (AL), Jornal Pequeno (PE), Jornal do Ceará (CE), Diário da Manhã (ES), A Opinião Pública (RS), Correio do Estado (MT), A Reforma (AC) etc.
Lisboa (PT) ― Correio da Manhã, Pontos nos II, Commercio de Portugal etc.
A estreia como cronista na Gazeta de Campinas foi o pontapé inicial para Julia Lopes de Almeida começar a escrever livros.
1886 ― Contos Infantis ― publica em prosa e verso, em Lisboa, seu primeiro livro em parceria com a irmã, Adelina Lopes Vieira. A obra foi adotada nas escolas primárias brasileiras por vários anos e teve pelo menos 17 reedições consecutivas.
1887 ― Traços e Iluminuras ― primeiro livro, também editado em Lisboa, reúne 24 contos, alguns dos quais publicados anteriormente em jornais brasileiros.
1892 ― A Família Medeiros ― romance/folhetim publicado em 1891 na Gazeta de Notícias, com enorme repercussão. Isto garantiu sua edição como livro no ano seguinte. Os horrores da escravidão, numa fazenda do interior de São Paulo, são o pano de fundo do romance. Reeditado pela Janela Amarela
1896 ― Livro das Noivas ― reúne textos escritos a partir de 1884 e publicados em jornais de todo o Brasil, com orientações sobre como a mulher deve cuidar de uma casa, tanto no que se refere à higiene como à educação dos filhos. Foi considerada a “bíblia” da mulher burguesa no início do século XX. Reeditado pela Janela Amarela
1897 ― A Viúva Simões ― romance/folhetim publicado na Gazeta de Notícias em 1895. Conta a história de Ernestina, viúva com uma filha, abordando a posição da mulher na sociedade e os desafios enfrentados por viúvas jovens naquela época. Reeditado pela Janela Amarela
1899 ― Memórias de Martha ― primeiro romance de Julia, começou a circular em 1888, como folhetim, no jornal carioca Tribuna Liberal, mas demorou mais de dez anos para ser transformado em livro. É uma autobiografia ficcional que conta a trajetória de Martha desde a infância, num cortiço, até a idade adulta, quando conquista sua independência como professora, mas ainda assim impelida a casar, conforme o costume da época. Reeditado pela Janela Amarela
1901 ― A Falência ― “é com este romance que Julia Lopes de Almeida toma decididamente lugar entre os romancistas brasileiros”, afirmou o escritor José Veríssimo em sua crítica sobre o livro. A obra obteve um sucesso estrondoso sendo frequentemente republicado. Reeditado pela Janela Amarela
1903 ― Ânsia Eterna ― são 30 contos de que remetem ao gótico e ao realismo fantástico, completamente diferentes dos textos publicados anteriormente por Julia. Reeditado pela Janela Amarela
1906 ― Livro das Donas e Donzelas ― crônicas e contos voltados para o público feminino, com textos poéticos e, ao mesmo tempo, práticos, oferecendo reflexões e conselhos sobre a vida doméstica e social. Alguns destes textos foram publicados anteriormente em jornais do Rio e do Nordeste.
1907 ― Histórias da Nossa Terra ― contos infantis romanceando fatos históricos ocorridos em alguns Estados brasileiros, escritos visando atrair o interesse das crianças para a História do Brasil. O livro, que teve 21 reedições, foi adotado no ensino primário brasileiro até o final da década de 1920. Reeditado pela Janela Amarela
1908 ― A Intrusa ― romance lançado como folhetim pelo Jornal do Commercio, em 1905, aborda situação da mulher na sociedade, a complexidade das relações humanas e as convenções sociais da época. Reeditado pela Janela Amarela
1910 ― Eles & Elas ― crônicas sob o título “Reflexões de uma esposa” e “Reflexões de um marido” publicadas por Julia no jornal O Paiz entre 1907 e 1909. As crônicas alternam vozes masculinas e femininas, mostrando a dificuldade de comunicação entre eles ambos. Reeditado pela Janela Amarela
1911 ― Cruel Amor ― romance/folhetim circulou no Jornal do Commercio em 1908. A história se passa na colônia de pescadores da Praia de Copacabana, retratando a vida dos moradores, suas paixões e intrigas. Reeditado pela Janela Amarela
1913 ― Correio da Roça ― romance epistolar, lançado como folhetim pelo jornal O Paiz, em 1909, apresenta uma troca de correspondência entre duas amigas. Os temas são a valorização do potencial da mulher, da vida no campo e do trabalho. Reeditado pela Janela Amarela
1914 ― A Silveirinha: Crônica de um Verão ― romance/ folhetim, publicado em 1913 no Jornal do Commercio, causou grande indignação na Igreja Católica, pela crítica que o livro fez ao fanatismo religioso, um dos ingredientes do verão da burguesia carioca, em Petrópolis, no início do século XX. Reeditado pela Janela Amarela
1916 ― A Árvore ― escrito em prosa e verso, em parceria com o filho Afonso Lopes de Almeida, o livro trata da importância de várias árvores, analisando seus benefícios para a humanidade.
1917 ― Era uma vez... ― conto infantil fantástico, apresenta a história de uma princesa muito mimada a quem todos os súditos precisam obedecer, indiscriminadamente. Reeditado pela Janela Amarela
1920 ― Jornada do Meu País ― crônica de viagem é, essencialmente, um livro sobre o Estado do Rio Grande do Sul. Segundo os críticos da época, ninguém poderia ter descrito melhor a vida gaúcha do que Julia. A primeira edição contava com ilustrações de seu filho Albano Lopes de Almeida.
1922 ― Jardim Florido ― livro de jardinagem que ensina as mulheres a cuidar de seus jardins; como e quando plantar; quando adubar etc.
1922 ― A Isca ― quatro novelas reunidas em um único livro, publicado pela Editora Leite Ribeiro: “A Isca”, “O dedo do Velho”, “O homem que olha para dentro” e “O laço azul”.
1923 ― Oração à Santa Dorotéia ― conferência proferida no Instituto Nacional de Música. A santa é padroeira dos jardins e é sobre isto e sobre flores o tema da conferência.
1925 ― Maternidade ― ensaio escrito por Julia e mais um livro voltado ao público feminino. Na opinião do crítico Agripino Grieco, a obra dá à literatura a dignidade de uma missão. São onze capítulos voltados para o papel da mulher/mãe na sociedade.
1932 ― Casa Verde ― romance escrito por Julia Lopes de Almeida e Filinto de Almeida foi publicado entre 1898 e 1899, sob o pseudônimo de A.Junito, no Jornal do Commercio. Tendo como pano de fundo a cidade de Niterói e a industrialização do Brasil, seus personagens lutam por amores possíveis e impossíveis, com paixão e determinação. A leitura é instigante, com uma trama muito bem construída. A obra foi publicada pela Companhia Editora Nacional, fundada por Monteiro Lobato e Octalles Marcondes Ferreira, com a assinatura dos dois autores. Reeditado pela Janela Amarela
1934 ― Pássaro Tonto ― romance escrito por Julia quando estava morando em Paris, estava em produção, pela Companhia Editora Nacional, quando a autora faleceu. O enredo se passa num período tumultuado da política brasileira. A personagem Lalita, por orientação dos pais, vai para Paris acompanhada da governanta da família. Na capital da França, a jovem busca liberdade e a quebra de paradigmas. Reeditado pela Janela Amarela
2024 ― O Funil do Diabo ― novela publicada no Jornal do Commercio, somente após a morte da autora. A Janela Amarela encontrou o texto e completou a obra de Julia, publicando o livro. Nesta história de mistério, intrigantes roubos numa abastada família fluminense criam um ambiente de desconfiança. Reeditado pela Janela Amarela
Completando os textos publicados estão também as peças de teatro: A Herança (1908); Doidos de Amor, No Jardim de Saul, e Quem não perdoa (1917).
Vale citar ainda que, além de escrever para jornais e revistas e publicar livros, Julia proferiu inúmeras conferências, dentre as que temos conhecimentos estão:
1905 — Conferência Literária: O Império da Moda — no Instituto Nacional de Música em 18 de novembro de 1905
1906 ― Conferência Literária: A Mulher e a Arte — no Instituto Nacional de Música, em 11 de agosto de 1906
1907 — Conferência Literária: As Flores — no Instituto Nacional de Música em 31 de agosto de 1907
1915 — Conferência: Paris e as parisienses — no salão do Jornal do Commercio em 16 de janeiro de 1915
1922 — Conferência: Atividades Femininas no Brasil — proferida em espanhol, no dia 10 de outubro de 1922, perante o Consejo Nacional de Mujeres de la Argentina, em Buenos Aires.